quinta-feira, 23 de junho de 2011

Biografia de Camilo Castelo Branco


A HISTÓRIA DO NOVELISTA CAMILO CASTELO BRANCO: UMA NOVELA


Ler a biografia de Camilo Castelo Branco (escritor português) é como ler suas próprias novelas: uma vida tão cheia de lances excepcionais, dramáticos, múltiplos e diversificados, quanto suas mais pródigas e comoventes histórias de ficção.
Nascido em Lisboa, em 1825, Camilo, filho natural, perde a mãe, Jacinta Rosa, aos dois anos de idade. Aos dez, fica órfão do pai, Manuel Joaquim Botelho. Estes funestos acontecimentos são decisivos para que ele venha a morar com sua tia, Rita Emília, em Vila Real, onde acaba conhecendo a tradição e os feitos aventurosos de sua família.
A fase seguinte, a da pré-adolescência, Camilo a passa em Vilarianho de Samardã, na casa de sua irmã Carolina, casada com o médico Francisco José de Azevedo. Lá, o então futuro escritor, começa a receber educação religiosa e intelectual (A educação na época não era para todos, era condição que só as famílias mais abastadas poderiam oferecer aos seus. Então, os mais pobres estudavam, desde que alguém os incentivasse financeiramente, uma espécie de padrinho ou mecenas).
Muito cedo, o escritor passou por amargas experiências em sua vida: a privação do próprio lar, com a perda dos pais, e a vivência sob outros tetos, por benevolência ou deveres de família.
Bastardo e órfão, Camilo atravessa sua fase de menino na vida folgazã e quieta da província.

UMA PERSONALIDADE TURBULENTA NA VIDA SOCIAL
E LITERÁRIA DO PORTO
Aos 16 anos de idade, o jovem Camilo já estava casado com a aldeã Joaquina Pereira, de 15. Casamento muito breve: logo escritor abandona a esposa e a filha e vai para a cidade do Porto, matriculando-se no primeiro ano da Escola Médica e da Academia Politécnica (Engenharia), cursos que, mais tarde, ele iria abandonar.
É aí, no meio portuense de 1844, que Camilo vai conhecer a vida da sociedade citadina, onde os ecos lisboetas (vindos de Lisboa, capital Portuguesa) e europeus chegavam mais rápidos... Alarga-se, assim, duplamente sua experiência: mundana e literária. Convém até mesmo lembrar alguns fatos mais empolgantes que caracterizam a vida social (ou, mais especificamente, passional) de Camilo a partir desta fase. Basta enumerá-los para ver o quanto foi tumultuada. Em 1845, o autor simula um duelo com Freitas Bastos, a fim de escandalizar a sociedade burguesa da cidade do Porto. No ano seguinte, 1846,  além de envolver-se numa guerrilha pela disputa de poder em Portugal, Camilo é preso junto com Patrícia Emília, cujo marido preferiu esta solução a um escândalo amoroso, em virtude da traição da esposa.  Neste mesmo ano ainda, o escritor se alista no exército, durante a briga de Dom Pedro, o antigo primeiro do Brasil, e o seu irmão Dom Miguel, que queria o poder da coroa em Portugal. O escritor luta, como soldado, em favor dos miguelistas. Em 1847, morre Joaquina, sua primeira esposa. No ano seguinte, Camilo sofre agressões, parece que por tentar seduzir a filha do governador. Em 1849, começa a relacionar-se com Maria Browne e passa a frequentar a alta sociedade portuense. Em 1850, provavelmente num baile da Assembléia, Camilo começa aquele que será considerado seu caso de amor mais rumoroso. Para muitos, sua relação mais duradoura e arrebatadora, um verdadeiro idílio, ao contrário dos outros relacionamentos do escritor que foram rápidos, a exemplo da vez em que se envolveu com a freira Isabel Cândida. Ana Plácido era casada com Pinheiro Alves.  Em 1851, por conta de notícias maldosas ou satíricas, Camilo briga com o diretor de um jornal A Pátria. A briga acontece no saguão do Teatro São João, com direito a muitas cacetadas na cabeça do diretor. Em 1852, Camilo é ferido por Ricardo Browne, marido de sua também amante Maria Browne. Esta não foi a única encrenca em que o escritor se meteu. Em 1855, Camilo assume a condição de amante de Ana Plácido. Como adultério era crime naquela época, previsto em lei e com pena de prisão, Ana Plácido e Camilo são procurados em 1861, por conta de um mandado de prisão que foi expedido pela justiça local. Camilo passa a viver escondido, mudando de esconderijo a cada semana, até que, tempos depois, ele se apresenta à Justiça. Fica preso por 384 dias na Cadeia da Relação, na cidade do Porto. As duas vezes em que Camilo esteve preso sob a acusação de adultério ou, como preferem alguns biógrafos, o eufemismo: “por motivos de amores”.
 Enquanto tudo isso acontecia, forjava-se a formação artística de Camilo como escritor, por meio de seus contatos com a chamada Geração Romântica Portuguesa, um grupo de escritores e intelectuais, que viviam no Porto e transformaram o modo de pensar naquela época. As intenções libertárias, cujos reflexos chegam aos escritos do autor, sob forma de reação ao gosto clássico, estendiam-se em direções variadas, desde a fé religiosa até os pontos de vista político-sociais.
O ambiente da cidade do Porto, de meados do século XIX, deve ter provocado conflitos íntimos em Camilo Castelo Branco, criado, na infância, à sombra do modelo de obediência, ditado pelas normas religiosas. Os jovens de então atentos à voz dos sentimentos, procuravam adotar outra atitude perante a vida, contrariando a imposição de princípios sociais e literários. Assim, no ânimo do escritor, que se iniciara no mundo da cultura clássica (o estudo) pelas mãos do aldeão padre Azevedo, as novidades em contrário exerciam forte impressão, conforme ele próprio declararia em 1845. Camilo certamente foi influenciado pelos autores do Romantismo em Portugal, como Antônio Feliciano de Castilho, de quem foi amigo por muitos anos, e também por Alexandre Herculano e Almeida Garret, cujas obras Camões e Frei Luís de Sousa já estavam publicadas.
A ESCALADA FINAL
Sob o peso de suas aventuras (ou desventuras, como queiram) Camilo não deixou de ser um incansável escritor, até a derradeira paragem, em São Miguel de Seide.
   Ao sair da prisão do Porto (durante o tempo em que esteve preso, Camilo leu muito e escreveu quatro obras, entre elas Amor de Perdição e seis dos Doze casamentos felizes), produziu um rosário de novelas. Basta lembrar que, no ano seguinte, além das obras já mencionadas, o autor publicou ainda quatro novelas e um drama (peça teatral). O período agitado por suas aventuras mundanas – que terminou com a ligação, para sempre, com sua amante Ana Plácido –, Camilo transfere sua vigorosa vitalidade para sua vida literária, mesmo porque preocupado com a manutenção da família, tornou-se escritor por ofício: criou novela após novela, fez jornalismo, traduções, crítica literária, além de outras modalidades esparsas de literatura.
Em 1863, já doente, transfere-se para São Miguel de Seide e, aí, escreve mais quatro obras, entre elas Amor de Salvação. Mas viverá ainda algum tempo no Porto, onde continuará a publicar entre os anos de 1865 e 1866, quando volta para Seide.   Cria então mais oito novas histórias, entre elas, A Queda dum Anjo.
Em 1867, agrava-se o estado de saúde do escritor, mas sua produção literária continua.
As penas da vida começam, entretanto, a dar cabo de Camilo: Jorge, seu primeiro filho com Ana Plácido, enlouquece; seu grande amigo Vieira de Castro, depois de assassinar a mulher por adultério, morre em Luanda, África, em 1872. Manuel Plácido, filho do primeiro casamento de Ana, a quem Camilo muito estimava, morre em 1877 (quase trinta anos após a morte de sua filha com Joaquina Pereira, sua primeira esposa). Em 1881, o autor promove o rapto de uma rica herdeira com quem casa seu filho mais novo, Nuno. Mas, pouco depois, Camilo acaba por expulsá-lo de sua casa. As dificuldades financeiras levam-no a leiloar sua biblioteca, de cerca de 5000 volumes, e seus problemas visuais acentuam-se. Finalmente, a nora e a neta morrem e o filho Jorge precisa ser internado num hospital da cidade do Porto. Em 1887, sua cegueira é quase completa.
Às 15 horas e 15 minutos do dia 1º de junho de 1890, Camilo resolve pôr um ponto final na novela de sua própria vida: enquanto Ana Plácido acompanha até a porta o médico que viera examinar-lhe os olhos e o desiludira, ouve-se um disparo de revólver. Camilo suicidara-se com um tiro no ouvido direito.
(Maria Aparecida Santilli, Literatura Comentada: Camilo Castelo Branco (1825 – 1890), São Paulo: Editora Abril, 1980.)

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